quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Dr. LUÍS BELEZA DE ANDRADE - V

Armazéns do mestre de campo José Vicente de Andrade Beleza
(pai do Dr. Luís Beleza de Andrade)
Bartolomeu Pancorbo me dizia que não alugasse meu Pai
os seus armazéns, para estarem prontos, para se fazer o negócio



No século XVII o comércio do vinho generoso produzido em riba Douro encontrava-se na quase total dependência do mercado inglês. Se o mercado inglês adquirisse muito vinho os preços subiam, mas se diminuisse as suas compras os preço desciam. É a lei da oferta e da procura em toda a sua pureza então vivida, pois não existia um organismo que tutelasse os interesses dos produtores.
As consequências da diminuição das exportações refletia-se de imediato – vinhateiros, quintas, armazéns acompanhavam as tensões do barómetro vinhateiro. Era a miséria da lavoura.
O Conde da Ericeira, autor do Portugal Restaurado, estabeleceu forma de evitar essas crises cíclicas totalmente dependentes da actuação do mercado inglês. Atentou na riqueza do gado lanígero existente nas Beiras, riqueza que não estava explorada e decidiu criar a indústria de lanifícios na Covilhã e em Portalegre.
Surgiram logo em 1681 várias fábricas de pano e «droguetes» (tecidos baratos à semelhança do droguet francês) nas lindas da Serra da Estrela e de Portalegre. De tal forma essa indústria desenvolveu-se que, decorridos escassos cinco anos, em 1686, a nossa indústria têxtil vestia de pano o Reino e conquistas, com prejuizo das indústrias têxteis estrangeiras, sobretudo inglesas.
Logo o governo inglês retornou com um plano aliciante junto do governo português: constatou que o maior valor do mercado externo português era o do vinho produzido pelas uvas amadurecidas naquele cadinho de xisto precâmbrico solcalcado no Douro. Vai daí incumbe o seu embaixador em Portugal, John Methuen, de propôr ao governo de D. Pedro II a concessão de pauta mínima para a entrada no país dos panos ingleses, com a contrapartida da concessão por parte do governo inglês da pauta mínima a favor da entrada do vinho do Porto.
O engodo mostrava-se tão aliciante que logo implicou deferimento. Então, em 1703, estava o nosso governante Roque Monteiro Paim a assinar, em Lisboa, o Tratado de Methuen que desgraçou a economia portuguesa, sobretudo a região duriense.
Celebrado o acordo o mercado português foi inundado pelos panos ingleses sem a contrapartida de acréscimo relevante de exportação dos nossos vinhos. Mas estes continuaram a subir de preço.
De harmonia com o clausulado no tratado, com a baixa dos impostos de exportação, o vinho do Porto chegava à Inglaterra mais barato. Por outro lado, a indústria têxtil inglesa escoava mais panos para o mercado português. Resultado – aumento de exportação do vinho, com a subida aliciante dos preços para o lavrador; e aumento de importação de panos ingleses com prejuízo da nossa indústria.
O lavrador, para aumentar os seus lucros, começou de plantar vinha a esmo. Em breve surgiu a crise da fartura. Os preços baixaram, o vinho não tinha escoamento pela superabundância da produção.
Luís Beleza de Andrade, na extensa carta de 18-5-1758, dirigida a José Moreira Leal e Manuel Pereira de Faria, inquiridores dos actos dos corpos sociais da Companhia, na sindicância suscitada pelas denúncias do Padre Mestre Frei João de Mansilha, a que adiante se dará minuciosa notícia, escreve a elucidar a sua actuação para debelar a crise duriense:
Primeiramente, que o motivo que tive para entrar por vários modos a procurar todos os meios de dar saída aos vinhos do Douro, fora por que indo nos anos de 1753 e 1754 assistir às vindimas de meu Pai na vila de Valdigem, aí vira, que a gente geralmente ia morrendo, e com tanto excesso que se iam diminuindo muitas famílias; e indagando o motivo daquela mortandade alcancei que quase tudo procedia da pobreza, que por ser geral, nem tinham com que se curassem, nem quem os pudesse socorrer, sendo a doença de que morriam umas maleitas das quais escapavam todos aqueles que tinham dez ou doze tostões com que comprassem quina, e ter alguns dias de dieta.
Em várias diligências que na carta discrimina empenhou as suas preocupações mas sem êxito no escopo proposto. Entrementes, em acto culminante, um grão facto sobreviveu, como escreve:
Ao passo que cuidava adiantar as ditas três dependências, encontrando-me com o Padre Mestre Doutor frei João de Mansilha, com quem até ali não tinha amizade alguma, sabendo que ele das terras do Douro[1], lhe comuniquei os meus pensamentos, que ele logo abraçou e louvou; e entrando dali por diante a consultar tudo com ele, e prometendo-lhe parte na sociedade da Rússia, ainda que ele para a jornada não contribuira, prosseguimos nas dependências declaradas. Entrámos a procurar mais caminhos e para consultarmos na matéria convoquei alguns lavradores dos principais do Douro para um conclave em minha casa, no qual votou o dito Padre Doutor Mansilha a quem também tinha convocado, que o sistema melhor era fazer-se uma demarcação das Serras cujo voto agradou a todos, e roguei ao dito Padre Doutor me fizesse a súplica em nome das comunidades por quem a fiz assinar, e a remeti para a Corte, e veio a informar pelo Governador das Juntas Bernardo Duarte de Figueiredo que também nunca informou. Neste tempo soube, que D. Bartolomeu Pancorbo ia para Lisboa esperar as frotas e receber os dinheiros que nelas esperava; e o persuadi a que quisesse falar em se fazer uma companhia, em cujo pensamento praticámos depois com o Padre Doutor e prometeu o dito D. Bartolomeu Pancorbo que falaria, e nos daria parte, e logo que chegou à Corte brevemente o fez remetendo-nos uns artigos para que os fizéssemos assinar pelos lavradores, e lhos remeter-mos; e que logo se concluía o negócio; e me dizia que não alugasse meu Pai os seus armazéns, para estarem prontos, para se fazer o negócio ao que satisfiz.
Fomos para as vindimas, e lá de acordo com os mais lavradores reformámos os artigos e os assinámos, e depois nesta Cidade de donde os enviámos ao dito Pancorbo; mas não podendo eu ir, e reconhecendo a minha curta inteligência pedi ao dito Padre Doutor, que quisesse ir; e lhe dei sessenta moedas da minha bolsa; pois ninguém quis contribuir para as despesas.
O teor bem explícito desta carta ajuda a compreender o que escrevemos na segunda parte deste estudo sobre o Dr. Luís Beleza de Andrade.
(continua)

[1] Efectivamente, o dominicano João de Mansilha nasceu a 18-5-1711, no lugar de Santa Marta da freguesia de S. Miguel de Lobrigos, concelho de Santa Marta de Penaguião, e era filho de Francisco Pereira Pinto e de sua mulher Feliciana de Mansilha. O Padre Mansilha teve uma filha ilegítima havida em Caetana Guedes, mulher solteira, baptizada com o nome de Helena (que tomou o nome de Helena Guedes) e que nasceu em 1-12-1737 na actual freguesia de Santo André de Sanhoane, também do concelho de Santa Marta de Penaguião, a qual mudou o nome de Helena para Maria no sacramento do crisma.

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